quarta-feira, 8 de abril de 2009

O segredo de Arlete (1ª parte)

Ao ouvir o soar da campainha, em passos lentos se aproxima do portão e aos poucos vai chegando mais perto, até oferecer o convite para entrar. O corredor estreito leva até a porta principal, onde a luz do sol ilumina o ambiente. "Agora parece estar tudo um pouco mais tranqüilo, mas nem sempre foi assim", desabafa Arlete Viries.

Mãe de três filhos com deficiência visual, ela foi abandonada pelo marido quando o caçula tinha apenas 8 anos. “Mesmo morando conosco ele sempre foi um pai ausente”, lamenta.

A partida do marido, porém, acabou deixando seqüelas na vida da dona de casa. Com dificuldades para sustentar a família sozinha, Arlete e seus filhos viram-se obrigados a deixar o local onde moravam de aluguel, em Osasco, para viver na casa de parentes, no bairro do Itaim Paulista.

Para compensar despesas com aluguel, água e luz, a dona de casa passou a trabalhar arduamente como empregada doméstica, além de cuidar da contabilidade das oito casas que compunham o cortiço administrado pela sua tia Maria.

Em sua nova condição de vida, Arlete conta que tinha de se desdobrar para cumprir uma série de obrigações, que envolviam a necessidade de deixar a casa em ordem, mergulhar diariamente na infinidade de números e contas gerados pelos inquilinos e ainda sair à caça de escolas públicas capazes de atender aos seus filhos, portadores de necessidades especiais.

Foram sete anos vivendo nessa atribulada rotina, até que o destino voltasse a mexer os seus pauzinhos, fazendo-a novamente perder o rumo. “Após sofrer de diabetes por muitos anos, minha tia faleceu e fiquei sem ter onde morar”, relata.

Mas antes que o desespero fosse capaz de abatê-la, Arlete virou o jogo. Com a ajuda de amigos e a pensão que acabara de conquistar em função da deficiência de seus filhos, a dona de casa logo espantou o pesadelo que ameaçava tomar conta de sua vida – e ainda conseguiu realizar dois de seus maiores sonhos: voltar para Osasco e morar numa casa maior, adaptada para os seus filhos.

Sentada na espaçosa sala da sua atual moradia, com corrimões espalhados por todos os cantos, Arlete nos apresenta os três jovens: Wellington, 25 anos; Ludmila, 24; e Jefferson, 20. Curiosos, eles não desviam a atenção de nós em nenhum momento, ansiosos para descobrir quem havia acabado de chegar. “Ô Kátia, quem está aí? É a Adriana? Da rapaziada”, brinca Ludmila, a mais extrovertida entre os três irmãos. Apesar de ter dificuldades na fala, ela adora cantar e ouvir música. “Sou uma ‘pop star’”, diz, convicta.

Já os outros dois irmãos, mais tímidos, esboçam reação apenas quando a mãe lhes cutuca, na expectativa de que falem alguma coisa. “Responde Wellington, responde”, tenta Arlete, sem obter êxito.

Com características tão diferentes, eles possuem em comum o fato de sofrer de uma síndrome conhecida como Amaurose Congênita de Leber, disfunção de caráter hereditário que atinge uma em cada 100 mil pessoas no mundo todo, e se desenvolve nos primeiros anos de vida, debilitando os nervos dos olhos e do corpo.

(Confira amanhã a segunda parte da matéria)

Fábio Guedes
Adriana Póvoa
Kátia Izawa

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